Exortação Apostólica "Evangelii Gaudium" é o primeiro documento do Papa Francisco e
traça o caminho para a Santa Sé nos próximos anos. Documento propõe "nova
etapa de evangelização" e "conversão"
da Igreja.
Cidade
do Vaticano: Jorge
Bergoglio, Papa Francisco, lança um projeto de conversão do papado,
propõe a descentralização da Igreja
e apresenta o plano da maior reforma feita no Vaticano em pelo menos meio século. No primeiro
documento de seu próprio punho apresentado hoje, o papa Francisco explica em
mais de 200 páginas seu projeto para o futuro da Igreja, lançando duros ataques
contra sacerdotes e denunciando a guerra pelo poder dentro dos muros da Santa
Sé.
Desejo dirigir-me aos fiéis cristãos para
convidá-los a uma nova etapa de evangelização marcada por esta alegria e indica
direções para o caminho da Igreja nos próximos anos, escreveu em sua Exortação
Apostólica publicada hoje, o Evangelii
Gaudium do Santo Padre Francisco aos Bispos, Presbíteros, Diáconos às pessoas
consagradas e aos fiéis laicos sobre o Anúncio do Evangelho no Mundo Atual.
É uma nova evangelização no mundo de hoje, insistindo nos aspectos positivos e
otimismo, explicou o Cardeal Rino Fisichella, presidente do Conselho Pontifical
para a Nova Evangelização e que admite que o papa é franco. O centro é o amor,
insistiu. Sem isso, a Igreja é um castelo de cartas e isso é o nosso
maior perigo, declarou.
Em seu texto, Francisco apela à Igreja a recuperar
a frescor original do Evangelho, mas encontrando novas formas e métodos
criativos. “Precisamos de uma conversão pastoral e missionária, que não pode
deixar as coisas como elas são.”
Uma parte central de seu trabalho será o de
reformar as estruturas eclesiais para que todas se tornem mais missionárias.
O recado é claro: promover uma saudável
descentralização na
Igreja, num gesto inédito vindo justamente da pessoa que representou por
séculos a centralização da instituição e sempre lutou contra repartir poderes.
A esperança é de que as conferencias episcopais possam contribuir para o
sentido de colegialidade. A descentralização apontaria até mesmo para a
abertura de espaços para diferentes formas de praticar o catolicismo. O
cristianismo não dispõe de um único modelo cultural e o rosto da Igreja é
multiforme, escreveu. Não podemos esperar que todos os povos, para expressar a
fé cristã, tenham de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num
determinado momento da história. Para o Papa, teólogos precisam ter em mente a
finalidade evangelizadora da Igreja.
Nem o próprio Papa estaria isento da reforma. Sua
meta é a de promover uma conversão do papado para que seja mais fiel ao
significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da
evangelização.
A burocracia e a aristocracia da Santa Sé também precisa ser revista. Nesta
renovação não se deve ter medo de rever costumes da Igreja não diretamente
ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos mais profundamente enraizados ao
longo da história. Bergoglio insiste que prefere uma igreja ferida e suja por
ter saído às estradas, em vez de uma igreja preocupada em ser o centro e que
acaba prisioneiras num emaranhado de obsessões e procedimentos.
Abertura - Um dos pontos centrais é ainda a abertura da
Igreja aos fiéis. Precisamos de igrejas com as portas abertas para evitar
que aqueles que estão em busca de Deus encontrem a frieza de uma porta fechada.
Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo,
escreveu. A escolha dos fiéis que deveriam comungar também é atacado pelo papa.
A Eucaristia não é um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um
alimento para os fracos, alertou.
Poder - O documento ainda lança severas críticas a padres
e sacerdotes. O Papa pede que se evite as tentações do
individualismo e alerta que a maior ameaça é o pragmatismo incolor da vida
cotidiana da Igreja, quando na realidade a fé se vai desgastando.
Pedindo uma revolução de ternura, o papa critica
aqueles (religiosos) que se sentem superior aos outros e que
apenas fazer obras de caridade não seria o suficiente. O papa também ataca os
sacerdotes que em vez de evangelizar, classificam os outros, adotando um certo
estilo católico próprio do passado. Bergoglio também ataca os religiosos que
tem um cuidado ostensivo da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas
sem que se preocupem com a inserção real do Evangelho às
necessidades das populações. Esta é uma tremenda corrupção com a aparência de
bem. “Deus nos livre de uma igreja mundana sob cortinas espirituais ou
pastorais.”
As batalhas por poder dentro do Vaticano também são
alvos de ataques do Papa contra a Igreja. Ele apela para que as comunidades
eclesiais não caiam nas invejas e ciúmes. Dentro do povo de Deus, quantas
guerras, lamenta o argentino. A quem queremos evangelizar com estes
comportamentos? atacou, indicando um excesso de clericalismo.
O Papa ataca o elitismo narcisista entre os
cardeais. O que queremos? Generais de exércitos derrotados? Ou simplesmente
soldados de um esquadrão que continua batalhando?, questionou. Até mesmo as
homilias (sermão feito nas missas) são alvos de ataque do Papa. “São muitas as
reclamações em relação a este importante ministério e não podemos fechar os
ouvidos.” Bergoglio insiste que ela não deve ser nem uma conferência e nem uma
aula. Temos de evitar uma pregação puramente moralista.
Um ataque especial vai também aos religiosos que
não se preparam devidamente para as missas. Um pregador que não se prepara não
é espiritual, é desonesto e irresponsável, escreveu. Quanto às confissões, o argentino
é ainda mais duro: não se trata de uma câmara de tortura.
Mulher - O Papa volta a defender um maior papel da mulher dentro da
Igreja. Ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina
mais incisiva na Igreja, nos diferentes lugares onde são tomadas decisões
importantes, defendeu. As reivindicações dos direitos legítimos das mulheres
não se podem sobrevoar superficialmente, apontou.
Bergoglio deixa claro a posição da Igreja contrária
ao aborto. Entre os fracos que a Igreja quer cuidar estão as crianças em
gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais hoje se quer
negar a dignidade humana, escreveu.
Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição
sobre essa questão. Não é progressista fingir resolver os problemas eliminando
uma vida humana, declarou.
Economia e política -
Bergoglio ainda destina uma parte importante de seu texto à situação mundial e
não deixa de atacar o modelo econômico que prevalece. O atual sistema econômico
é injusto pela raiz, declarou. Esta economia mata porque prevalece a lei do
mais forte.
Os excluídos não são explorados, mas lixo, sobras,
atacou. Vivemos uma nova tiraria invisível, por vezes virtual, de um mercado
divinizado onde reinam a especulação financeira, corrupção ramificada, evasão
fiscal egoísta. O dinheiro, segundo ele, deve servir, e não dominar.
Para ele, esse modelo estaria promovendo uma crise
cultural profunda
nas famílias. O
individualismo pós-moderno e globalizado promove um estilo de vida que perverte
os vínculos familiares, alertou.
O Papa ainda apela para que a Igreja não tenha medo
de se envolver nos debates políticos e que faça parte da luta por influenciar
grupos políticos para garantir maior justiça social. Para ele, o pastor tem o
direito de emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com a vida das pessoas,
escreveu. Ninguém pode exigir de nos que releguemos a religião à secreta
intimidade das pessoas, declarou.
Sua luta contra a pobreza também fica claro no
documento. Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres, não se
resolverão os problemas do mundo, declarou, fazendo um apelo aos políticos. Em
seu documento, ele volta a defender os mais fracos, os sem-teto, os dependentes
de drogas, os refugiados e
apela a países que promovam uma abertura generosaaos imigrantes. Para ele, existem muitos cúmplices nesses
crimes.
O argentino, porém, não deixa de apelar
humildemente
aos países muçulmanos que garantam a liberdade religiosa para os cristãos,
tendo em conta a liberdade de que gozam os crentes do Islã nos países
ocidentais. Uma adequada interpretação do Corão se opõe a toda a violência,
defendeu. Bergoglio, porém, insiste na necessidade de fortalecer o diálogo e a
aliança entre crentes e não-crentes. Apesar dos desafios, o Papa insiste que os
fiéis não devem desistir.
“Se eu conseguir ajuda pelo menos uma única pessoa
a viver melhor, isto já é suficiente para justificar o dom da minha vida”,
concluiu.
Pe. José Oscar Beozzo